Era fim de tarde quando me dei conta da saudade.
Não essa saudade que a gente nomeia fácil, como de um lugar ou de um tempo. Era outra coisa.
Uma ausência que atravessa devagar, como vento frio entrando por uma fresta.
Eu estava na cozinha, de meias, um moletom velho, cabelo preso de qualquer jeito. Havia metade de mim. Era uma metade sem fim.
Fiz um café forte, do jeito que eu imagino que você gosta, como se fosse te servir. Mas só havia uma caneca e o silêncio.
Sentei à mesa, com as pernas cruzadas sobre a cadeira e os olhos vagando pela janela.
Ali fora, a luz amarelada do sol começava a morrer atrás dos prédios. Aqui dentro, um vazio morno fazia o peito doer.
Volta e meia me pego assim. Assaltada por lembranças de algo que nunca foi. Ou foi, mas só pra mim.
Uma história que ficou encalhada em alguma parte do tempo, talvez porque nunca teve começo, embora tenha deixado finais espalhados por toda parte.
Lembro das conversas esquisitas, dos silêncios que doíam mais do que as ausências. Das palavras que eu ensaiei e não disse. Das que você disse, no final.
Às vezes me imagino te reencontrando. Num desses dias em que a vida resolve ser gentil e faz os caminhos se cruzarem de novo. Você chegando sem jeito, com aquele sorriso de sol e um pedido de desculpas nos lábios. Talvez um cigarro na mão. Talvez com outro cheiro, outro tempo, outro você.
Mas isso não passa de invenção. Fantasia que costuro nos retalhos das minhas manhãs oníricas. Desejo que não constrói realidade, só adia o luto.
Eu, que sempre fui feita de palavras, me vejo muda quando penso em você. Não tenho nome pra isso. Não tenho gesto. Nem lágrima, às vezes.
Você está longe demais. Ou dentro demais.
E mesmo assim, ainda espero, em algum lugar entre o gole do café que deixo esfriar sobre a mesa e a certeza de que, depois de tudo... sobretudo depois de tudo, não sei se te quero de volta. Ou se só queria que tivesse sido diferente.