Nem sempre perdemos amores bonitos por falta de sentimento. Às vezes, é o medo que nos afasta, medo de sermos vistos, de não sermos suficientes, de sermos abandonados.
Na psicologia, chamamos de esquemas mentais os padrões que formamos ao longo da vida, muitas vezes na infância, e que moldam nossas relações. Quando um amor genuíno chega, ele pode ativar feridas antigas: o medo do abandono, da rejeição, da exposição emocional. Assim, mesmo quando alguém nos oferece cuidado e acolhimento, podemos enxergar ameaça.
Rejeitamos o amor que poderia nos curar porque ele nos exige presença e entrega, duas coisas difíceis quando estamos em guerra interna. O que poderia ser abrigo, passa a ser visto como risco.
Mas e se, em vez de fugir, aceitássemos permanecer? Amores verdadeiros não exigem perfeição, oferecem espaço seguro para sermos quem somos, inclusive nas nossas fases mais difíceis.
Talvez, ao invés de descartar o que nos assusta, devêssemos aprender a reconhecer o que nos cura.
.......................
Nem foi à toa que ela me olhou daquele jeito, como se soubesse mais de mim do que eu mesmo. Era um olhar distante, mas parecia sair de dentro de mim, refletindo todo o vazio que eu não queria ver.
O olhar dela me refletia de tal forma que eu não pude suportar. Às vezes, o amor do outro nos violenta, não porque ele seja ruim, mas porque é ele que toca as partes de nós que não queremos mostrar. Dói, mais por não conseguirmos corresponder ao carinho que o outro nos oferece do que por qualquer outra coisa.
Ela dizia coisas que eu jamais imaginei ouvir. Como alguém pode querer essa bagunça que eu sou? Como alguém pode gostar de mim na minha pior fase? Eu não sabia responder, então me calei. Claro que não deixei ela entrar. A minha casa é um caos, um espaço só meu, enquanto finjo ao mundo que está tudo sob controle.
Seguro um fio de controle tão fino que, toda vez que não sei o que fazer com as minhas emoções, me escondo no silêncio. Eu não sei dizer o que sinto porque as palavras estão longe demais do que consigo lidar.
Talvez eu pudesse ficar mais tempo com ela, bebendo da sua segurança, da tranquilidade dela. Mas é insuportável estar em paz. O barulho dentro de mim é tão grande que, quando ela chega linda, eu sinto raiva. Ela parece tão perfeita que só consigo odiá-la.
Quando ela me oferece o espelho, o que vejo é um reflexo feio, uma versão minha que não sei como reconhecer. Não sei me ver com os olhos dela.
E aqui estou, dizendo adeus a um amor que, talvez, tenha sido maior do que eu pude receber.