21 Jul
21Jul

Foi preciso admitir: ela sentiu raiva.
Daquelas intensas, que vêm de um lugar antigo, esquecido por tanto tempo que assusta quando retorna.
A raiva tomou forma de grito, de revolta, de teimosia. Veio em forma de choro e se confundia com tantas outras dores que também pediam para ser choradas.
Foram necessárias horas até que ela se acalmasse. Até que pudesse explicar. Chorou mais, achando que estava enlouquecendo.
Mas é assim: às vezes, quando não nos é permitido sentir, confundimos sentimento com loucura. Porque internalizamos os discursos que diminuem o que nos afeta.
A raiva que explodiu nela era antiga. Era a soma de todas as vezes que teve que se calar diante de injustiças.
E, dessa vez, não conteve. E isso a assustou. Achou que perderia a cabeça.
Eu a escutei. Dei nome. Expliquei. Validei. Disse que a raiva era justa. Que tinha cumprido sua função: defendê-la do que a feria.
A situação não parecia ameaçadora. Era só um prato de comida. Mas ela teria que engolir aquilo sem ter escolha.
O cérebro, no entanto, não distingue um predador letal de um prato insosso. Reage com luta, fuga ou paralisia. E é isso: algumas ameaças são invisíveis, mas reais.
A comida insuportável era, sim, uma ameaça legítima. Pontuava concretamente que não estava em sua casa, no seu lugar, sem poder escolher sequer o que comeria.
Ela estava há dias no hospital, enfrentando inimigos invisíveis: procedimentos, medicações, exames.
Se resignara diante de tanta coisa. Mas diante da comida, não.
Porque pra tudo há um limite. E, às vezes, a última resistência é exatamente essa: não aceitar engolir qualquer coisa.

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