Vivemos um tempo em que muitas relações se constroem na superfície. A performance, a necessidade de impressionar, de ser visto, de causar impacto imediato, tem roubado o espaço do encontro verdadeiro. É fácil desejar. O desejo é rápido, instintivo, inflamado pela novidade. Difícil é permanecer, atravessar o desconforto do silêncio, suportar as camadas de profundidade que surgem quando o outro começa a mostrar o que não cabe em elogios ou aparências. O conhecer de verdade exige presença, vulnerabilidade e coragem para mergulhar. Mas, em um mundo que se satisfaz com vitrines, muitos preferem molhar apenas os pés na beira da experiência, evitando o caminho para o fundo...
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Ele a olhava como quem descobre uma nova galáxia.
Ela reconheceu de imediato aquele brilho nos olhos dele. Era bonito, mas não era novo.
— Você é muito mais bonita pessoalmente. Ele disse, inclinando-se sobre a mesa, como se revelasse um segredo.
Ela sorriu leve, sem entusiasmo.
— Obrigada.
— E inteligente, absurdamente inteligente. É raro encontrar alguém que junta as duas coisas. Ele falava com intensidade, como se precisasse convencê-la da própria sinceridade.
Ela mexeu no cabelo, desviando o olhar para a xícara de café. Admirava a tentativa, mas já sabia o que viria depois. Elogios sempre vinham fáceis, o mergulho no silêncio dela, nunca.
— Eu só tento ser eu mesma. Ela respondeu, num tom quase neutro.
Ele riu, achando graça na simplicidade da frase. E continuou contando histórias, descrevendo conquistas, ajeitando a postura como quem exibe credenciais. Ela o ouvia, mas sua mente caminhava alguns passos à frente. Via o roteiro: a admiração inicial, o encantamento exagerado, a repetição, o tédio da falta de profundidade.
Quando o garçom trouxe a conta, ela puxou a bolsa.
— Vamos dividir?
— De jeito nenhum. Ele interrompeu, já pegando a carteira.
— Hoje é por minha conta.
— Mas não precisa, de verdade...
— Precisa, sim. Você merece.
Ela observou a cena com aquele mesmo sorriso leve, quase educado. Admirava o gesto, mas não se impressionava. Para ela, generosidade não se media em ações para impressioná-la, mas na disposição de mergulhar onde a maioria não ousava: nos silêncios, nas vulnerabilidades, nas dores escondidas.
Ele pagou a conta com ar de triunfo. Ela agradeceu, sem peso. Na volta, caminhando juntos até a porta, ela percebeu que o final já estava escrito. Um roteiro que ela já conhecia: abriria a porta do carro para ela entrar, pararia em frente a sua casa, a beijaria, mão na nuca, com uma pressão que ela já sabia de cor.
Ainda assim, deixou a noite seguir. Talvez fosse curiosidade. Talvez fosse o desejo de, por um instante, acreditar que alguém poderia surpreendê-la.
Ou talvez fosse só isso: às vezes, a vida é sobre molhar os pés na beira, sentindo o frio da água, sem a obrigação de mergulhar fundo.