Há alguns dias me deparei com uma frase do Lacan: “Não se deve compreender muito rápido.” Na hora, compreendi. Mas foi só depois, muito depois, que entendi o que ela queria me dizer.
Porque há um tipo de verdade que não se impõe de imediato. Ela se insinua. Se espalha devagar, como a luz entrando pelas frestas. Há verdades que só revelam no tempo.
E talvez seja assim com a vida também. A gente vive achando que certos dias são apenas dias. Que certas conversas são apenas conversa. Que certos olhares, certos encontros, certos gestos, são pequenos demais para se tornarem memória.
Mas aí o tempo passa.
E o que parecia banal começa a crescer por dentro.
De repente, aquele riso distraído, aquele café sem importância, aquele toque rápido no braço, tudo isso volta. Não porque foi extraordinário, mas porque foi verdadeiro.
Tem coisa que a gente só entende quando já não está mais.
Quando a ausência revela uma presença diferente.
Quando a saudade mostra o tamanho daquilo que não sabíamos.
Quando, dias depois, semanas depois, a lembrança insiste em voltar.
Talvez seja isso que Lacan quis dizer. Talvez a gente precise aprender a não compreender tão rápido. A não nomear tudo de imediato.
A deixar que o sentido amadureça, como fruta que só fica doce depois de algum tempo ao sol. Afinal, é sempre no depois que a gente percebe o que ficou.
E o que fica… Fica porque, de alguma forma, nos tocou mais do que imaginávamos.
.......
Nem era um evento importante, nada grandioso. Mas a mão tremia e suava. Talvez porque, dali em diante, ele não saberia o que poderia surgir.
Tudo estaria fora do seu controle. Ainda que dissesse a si mesmo que era preciso ter algum controle sobre a vida.
Mentia. Mentia na tentativa de aliviar o impacto do novo.
Não era como se ela fosse demasiado bonita ou especialmente inteligente.
Mas havia nela uma falta de presunção, uma ausência de afetação, que a tornava mais interessante que as outras.
Havia silêncios. Pausas nas conversas.
Pausas que o deixavam flutuando entre mil palavras ansiosas em sua mente e as poucas certas que ele tentava encontrar para dizer.
Não foi o melhor dia da sua vida. Mas foi um daqueles que ele lembraria por dias. Talvez semanas.
Talvez fosse só um café. Um banco desconfortável naquela cafeteria nova, o sol indo embora lentamente e aquele cheiro de bolo recém- assado vindo de algum lugar perto dali.
Ela não colocava açúcar no café e isso era inusitado.
E ele, sem saber onde pôr as mãos, fingia prestar atenção em qualquer coisa que não fosse ela.
Falaram sobre bobagens livros, trabalho, um filme que nenhum dos dois viu inteiro.
Nada que merecesse ser anotado.
Mas foi ali, nesse intervalo entre o nada e o quase, que algo começou a nascer.
Não um amor. Ainda não.
Mas uma fresta. Uma fenda de possibilidade.
Era engraçado: tudo parecia comum.
Mas havia uma delicadeza nos gestos dela, um jeito de ouvir com o corpo todo, que dava ao momento um peso diferente.
Como se os minutos estivessem mais densos, mais cheios de vida.
O riso dela não era escandaloso.
Mas permanecia. Como uma música que toca baixinho e insiste em repetir dentro da cabeça.
Na despedida, um beijo lento, longo. Perfeito. Entre risos.
Sem promessas de depois, mas cheio de intenção.
Uma história comum.
Daquelas que acontecem a qualquer um.
Mas ele…Ele prestou atenção demais.