Lacan nos lembra que o desejo nasce da falta (manque à être) essa ausência estrutural que nos move, nos constrói e nos inquieta. Desejamos não o outro em si, mas aquilo que dele imaginamos que nos completaria. E, às vezes, até na ausência mais dura, criamos uma presença: escrevemos sobre quem não ficou, como forma de sustentar o que nunca foi. Escrever sobre o outro é tentar retê-lo no campo do simbólico. Este texto é, então, a invenção de um laço: costurado por palavras, sustentado pelo silêncio e amparado pela ilusão de que ainda é possível compartilhar o que já passou. É sobre a tentativa de elaborar o irreal como real, o possível como perdido, o amor como leitura compartilhada. Ainda que solitária.
......
Eu só queria dizer que li os livros que você me indicou.
Li, não: devorei.
Em parte porque a escrita é fluida e combina bem com aquela minha curiosidade de saber o que tem depois.
E sempre tem um depois, né?
Às vezes, o depois que vem é o fim.
E mesmo o depois do fim... enfim... sempre tem um depois.
Já cantaram, numa música, que “o que não tem fim sempre acaba assim”.
Então é isso... eu li os livros que você me indicou. Com afinco.
Não somente porque a curiosidade me impelia, mas principalmente porque cada palavra do livro era uma palavra que você já tinha lido.
Sei lá... como se compartilhassem comigo o seu olhar sobre elas. Um olhar que agora só tenho como lembrança.
Mesmo em tempos distantes, essa mesma leitura... me aproximava de você. Eu quero ter essa ilusão, agora.
Ainda que nem sequer estejamos nos falando.
Foi assim: eu li tudo.
Meio que de uma vez, mas ao mesmo tempo me deliciando com cada palavra porque você também leu. E eu queria depreender das palavras teus olhos sobre elas, tuas impressões, seus gestos e caretas diante do que o autor escreveu. Mas não pude. Não consigo. Só fiquei ali com as palavras no papel, na tentativa vã de saber seu horror ou fascínio diante do foi narrado.
Você também soube o que ele disse. E, no fim, eu queria ter discutido contigo as palavras, o enredo, a construção das personagens e criar outros possíveis finais.
Porque eu também gosto desse exercício de fazer tudo de novo depois de feito. Mas não foi assim...
Já havia silêncio entre a gente.
Já não havia um “a gente”.
Porque nunca foi possível.
Nunca foi uma possibilidade.
Porque faltava você nessa história.
Não chegamos a escrever um livro juntos e talvez isso seja uma pena.
Teríamos tido uma história divertida: entre a sua necessidade de controle e a minha total falta de noção, criando enredos das mais diversas formas, na liberdade que você não chegou a conhecer.
Ora porque eu passava o tempo me defendendo do que você me causava, ora porque você não teve interesse.
Mas parece que eu encontrei formas de escrever, ainda que sozinha, algumas coisas sobre nós dois.
Ou melhor: sobre um “nós dois” que eu imaginei.
Como nos livros que você me indicou: parecendo sonho.
Porque, no fim, tudo é assim mesmo: as histórias inventadas e as histórias vividas.