Por não saber muito como rezar, eu nunca vim aqui, nesse espaço vazio, de mim mesma onde nasce uma coisa chamada fé. Prática, do jeito que sou, sempre preferi fazer dos meus atos a prece mais certeira. Mas enfim, me redimi e estou aqui, falando palavras soltas, entre o pensamento e o sentimento, nesse espaço em que nasce algo que não conheço bem, uma vontade de que haja algo além do que sou capaz de compreender. Não faço ideia do que falar, nem se minhas palavras incomodam ou distorcem algo com o qual eu não deveria mexer. Estou como quem dança no escuro, mas durante muito tempo eu tive medo do escuro e não sei dançar. Me sinto num país estrangeiro, tentando improvisar a comunicação com um guia de viagem. Não sei bem o que pedir (se é que é assim que se faz) e talvez ousasse agradecer demais, até pelas coisas que eu fiz um esforço danado para tornar tragável ou com sentido. Talvez, se eu deixar a coisa fluir...talvez, se eu soltar as rédeas e não me sentir invadindo um espaço que eu não conheço bem. Então, talvez eu consiga dizer, algo como: eu não pedi pra nascer. Não não... forte demais, porque embora essa vontade não tenha sido minha, todas as outras foram. Ou não? Fui sendo feita das vontades possíveis, de dentro e de fora de mim. Fui feita da vontade dos outros? Talvez, nascer, tenha sido a permissão poética concedida sem querer. E eu passei uma vida toda tentando entender o que fazer... Então, já que não pedi ra nascer, talvez possa pedir outras coisas. Mas ao longo do caminho eu aprendi a não pedir, aprendi a aceitar. Aceitar as coisas do jeito que são. Das coisas mais felizes, felizinhas e alegres até as mais desajeitadas, dolorosas e absurdamente imensas. Eu aceitei demais, talvez. Compreendi lugares dolorosos com um simples “é isso que tem pra hoje”... e vivi muitos “hojes” infindáveis. Até que uma virada de chave de dentro, de um espaço onde as coisas vão se ligando uma a outra, sem que a gente perceba, e de repente, formam uma coisa que faz sentido. Às vezes, leva-se muito tempo até que a imagem do que está se sentindo ou vivendo se forme a frente, de uma maneira minimamente inteligível. E, então, com uma força interna que não se conhecia até então, a gente sai daquele lugar desconfortável rumo a um lugar novo, assustadoramente novo. Porque, então, o desconforto e a dor são maiores que o medo do novo. No caminho a gente vai criando uma coisa que não sabe bem o que é, mas com improvisação e bom humor (ou sei lá... uma boa intenção, talvez) se transforma naquela coisa que faz no coração um quentinho de orgulho que a gente fala pra si mesmo, em silencio, num dia cansativo: fui eu que fiz. E, na verdade, a gente não faz nada sozinho, não é? Todos os pequenos detalhes do que eu chamo "eu" são na verdade a palavra e o olhar do outro sobre mim, direta ou indiretamente. Ou pela presença ou a ausência do que pude dar e ser e sentir e saber e agir e tudo o mais que era a expectativa do outro sobre como o enredo de tudo e a personagem que me deram (na vida deles) deveria seguir. Eu fui o que pude e nem sempre soube ser. Nem sempre soube também desejar do outro que só fosse. E nem sempre soube aceitar o pouco de mim e o pouco do outro: dando muito, querendo muito. E me perdi algumas vezes no meio de sentimentos intensos e mistérios profundos que me encantam demais, querendo e desejando sempre o além, Mesmo de pessoas que desejavam pouco, menos, nada. Esse descompasso do meu desejo e o real dói em um lugar ainda infantil que, embora, entenda com a “cabeça”, sofre com um coração manso e ingênuo de quem ainda quer que as coisas sejam como deseja. Esse desejo que também não é só do que não se tem, mas da curiosidade de querer saber a coisa para além dela mesma. Esse desejo que é ver o outro crescer, como uma sementinha que se planta na terra e se olha encantado para o milagre da primeira folha. E eu não sei pedir pouco, tudo em mim, às vezes, soa como muito. Too much. E eu não sei rezar, tá vendo? Até a tentativa mais leve minha, vira uma associação livre...onde me revelo pra mim mesma, em silêncio, sabendo, de antemão que ninguém se importa. Porque nunca foi importante tudo isso, é só um exercício atoa para talvez, quem sabe, sobreviver. Para seguir mais consciente (?) de mim mesma... ainda que cheia de mistérios porque também não faço ideia da aplicação prática disso tudo. Um dia li uma frase dizendo que é num coração quebrado que a luz entra. Meu coração é um tipo de lego interessante que se desfaz, refaz, sempre de uma maneira diferente. E a luz, não sei bem o que afinal, ilumina. Talvez, no fim, nada disso sirva pra muita coisa, não é? Palavras, sentir, viver. A gente vai brincando de ser o que se pode, do jeito que dá. Tentando, talvez, com sorte, ser essa luz que entra no coração quebrado dos outros, pra iluminar, quem sabe, um sorriso esquecido no porão da alma, ainda que brevemente. Amém (é assim que terminam as preces?). Que assim seja, o que tiver de ser.