Confrontar a mim mesma no meu discurso sobre você foi a coisa mais difícil que eu tive que fazer pela gente. Por um “nós” que nunca houve, mas que merece ser colocado no lugar que lhe cabe. Com o respeito que merece. E ser chamado pelo nome, inclusive: fantasia.
Diante do meu próprio discurso, nunca quis te tornar pior do que é, nem a mim, melhor do que sou. Você disse, sem crueldade: “foi o que foi”. E sim, ainda que doa admitir isso: fomos o que fomos. O que soubemos ser. Eu, o desejo por mais. Você, saciado ali.
Não há porque achar isso bom ou ruim. Não há porque dizer que você foi mal por não me dar o que eu queria. Nem a mim, por querer de você aquilo que você não podia oferecer. Fomos, ali, ambos vítimas das circunstâncias. Cada um vivendo, em seu próprio enredo, os afetos do que havia.
Eu precisei inventar finais. Elaborar, em palavras, os sentimentos que me invadiram: imensos, intensos, sem nomes. Talvez contraditórios. Escrevi para simbolizar. Não você, ou talvez um “você” que eu quis descobrir, mas que nunca se concretizou no real. Deixando a cargo, apenas da minha fantasia, existir.
Sinto que nem é você que quero tanto. É a narrativa do que eu achei que teria sido bonito. Mas que nunca chegou perto de ser. Ou talvez tenha sido, nas partes que eu supervalorizei: os detalhes que você criava e lembrava, a delicadeza com que eu te sentia. Mas isso tudo, eu sei, eram frutos do meu olhar sobre você. Que talvez fizesse tudo isso distraidamente e sem intenção.
Entre o real que você ofereceu e o meu desejo, houve uma cisão. Forte. Que eu não suportei. E aí… eu fui infantil. Tanto quanto você, quando sumiu. Sucumbi na falta do gozo de te ter. Na falta da realização da minha fantasia. E eu sei, racionalmente, eu sei, que você não tinha a obrigação de realizar o meu desejo. Embora… meu desejo fosse ser o seu desejo também.
Você me ensinou, sem querer, a sobreviver à falta, a aceitar o real, a conviver com o vazio do não realizado. O seu “não”, implícito, explícito, veio torto aos meus ouvidos ainda infantis. E me deixou perdida, lutando por um amor que, a todo custo, eu ainda queria provar que merecia. Mas nunca foi sobre o seu amor. Sempre foram sobre as minhas faltas. Que jamais alguém deveria ter que preencher.
Você me deu uma falta completa. Me entregou um espelho triste. onde eu me vi só. Só com meu desejo. Só com o vazio. Só com o atravessamento do que foi o meu desejo por você.
E no fim… talvez tenha sido essa a NOSSA história. Você me devolveu pra mim. Não por crueldade, mas talvez com a generosidade de quem nunca me prometeu alimentar fantasias.
O seu real me ensinou uma coisa sobre mim: tudo o que eu sinto me pertence. E mesmo, ou sobretudo, quando o outro não aceita isso, ou não pode receber isso... eu fico. Fico inteira comigo mesma.
Eu te deixo livre agora. Livre da minha fantasia. Livre do meu desejo. Para que meus vieses, os nomes que dei, as palavras que depositei sobre você... não mais te pesem. Te deixo livre. Pra você partir, de mim, sem o peso sequer de ser o meu pensamento. Te devolvo pra ti.
Quero que siga sendo quem é. E que talvez… eu nunca tenha conhecido. Mas que meu desejo conheceu, em partes, por um tempo. Um tempo que talvez não tenha sido nosso, mas foi meu.
Encerro hoje.. Com amor. Porque é assim que te entrego essas palavras. Quero te ver livre de mim. Porque assim… transcende o que sou capaz de nomear. E é maior do que eu poderia ver. Teu nome não cabe mais na minha poesia. Quero você maior. Quero você teu. Te quero livre do meu amor, com amor.