Vivemos numa época em que o amor virou risco e não abrigo (e isso, talvez nos aponte para uma dor bem profunda, que vale um texto em breve). Ser vulnerável tornou-se fraqueza. Desejar passou a ser sinônimo de carência. Mas e se o amor não for sobre plenitude? E se ele estiver mais próximo da falta, daquilo que não se resolve, mas se sustenta?
Estou lendo Christian Dunker, psicanalista, lacaniano. O livro propõe uma anatomia dos afetos, sobretudo do amor. Esse tema que perpassa nossa vida toda. Deveríamos nascer a partir dele ou ao menos sermos sustentados por ele ao longo da vida. Mas o que fazemos com o amor hoje?
O que me tocou foi o ponto sobre a economia do amor. Essa escassez afetiva, já tão bem descrita por Bell Hooks, onde o amor virou mais cálculo do que encontro. Dunker expõe que o medo é a tônica do amor na atualidade. E onde há medo, há também a negação do próprio amor. Afinal, amar no medo impede o gozo. Impede a entrega.
Penso muito sobre isso. Vejo pessoas performando desinteresse. Fugas, ghosting, evitação de qualquer coisa que exija um pouco mais de contato íntimo.
Quando algo mobiliza afetivamente, fujo. Fujo pra proteger o quê, exatamente? Talvez para não encarar o que o desejo do outro me revela: a minha própria fragilidade.
Desejar, no fim, é expor uma falta. E quando designo ao outro algo que só ele pode me dar, um lugar, por exemplo, me torno vulnerável. Só que vivemos numa cultura que glorifica a autossuficiência. Ser independente é ser admirável. Ser vulnerável é ser "fraca", "carente", "demais".
Então a gente prefere não amar, não desejar. Ou desejar em segredo, quieta, controlada. Porque o outro, ao negar meu desejo, me devolve algo que dói: a imagem de mim mesma faltante. E isso escancara uma ferida narcísica: será que eu mereço ser amada? Amada ainda na minha falta (ou justamente por ela)?
Mas aqui também mora uma virada importante: quando o outro não cede ao meu desejo, ele não apenas nega. Ele devolve. Ele me espelha. E o que me mostra é que o lugar que eu pedi, e não recebi, precisa ser reconstruído por mim.
Esse talvez seja um dos papéis mais importantes do outro: limitar meu desejo. Não pra me anular, mas pra me mostrar o contorno da realidade. A realidade onde nem tudo me será dado. Onde o outro também tem desejos, faltas e recusas. E é nesse ponto que o amor começa. Porque o amor do outro não está em realizar o meu desejo. Mas sim em ser real diante dele. Mesmo quando me nega. Mesmo quando não pode. E é aí, justamente aí, onde há falta, que o real aparece. O real de mim. O real do outro. E só onde há real, há amor de verdade.
O amor, então, não é plenitude. Não é encaixe perfeito. Não é paraíso. É o encontro entre duas solidões que sabem que são imperfeitas e ainda assim escolhem permanecer. É a presença que insiste, mesmo sem resolver. É o afeto que não preenche, mas que sustenta. Porque o amor verdadeiro não completa. Mas caminha junto. Com faltas que se olham. Com desejos que se reconhecem. Com realidades que não se encaixam mas que, ainda assim, se tocam. E isso, talvez, seja o mais próximo do amor que podemos viver. Um amor real, com faltas honestas, que envolve "rupturas e "re-escolhas" silenciosas", nas palavras do Dunker.